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Textos de própria autoria, salvo aqueles que citam fontes ou outros autores.( Renata )


terça-feira, 15 de junho de 2010

VIDA DE CÃO

Viajando para o Mato Grosso, fiquei hospedada na casa de um professor que me levaria para conhecer a Universidade local. A empregada, muito mal humorada, fazia questão de mostrar que não estava feliz com visitas extras na casa, o que me deixava bastante constrangida. Como estava em cidade estranha e iria embora só no fim do dia, decidi fazer algo para amenizar o stress. Sentei-me num canto, abri um livro e mergulhei em outra realidade mais agradável do que aquela, imediatamente presente ali.
Percebi que despertara certo interesse na serviçal, que largou tudo o que fazia para observar minha silenciosa leitura. Parecia fascinada de ver-me ali, quieta mergulhada nas minhas idéias.
Sentindo-me continuamente observada, levantei os olhos e vi uma pessoa completamente diferente do que aquela que se me mostrara até então. Estava transfigurada por uma expressão que ficava entre uma alegre curiosidade e uma fome devastadora.
Confessou-me que tudo o que queria fazer, era isto que eu estava fazendo: Queria aprender a ler. Tinha ido ao Mobral, aquele antigo malversado projeto de alfabetização de adultos. Conhecia todas as letras, mas, não sabia juntá-las, tirando o suco delas, como, disse ela, me via fazendo agora...
Tocada interiormente, desarmei-me, e diante de tais argumentos, a chamei para sentar-se à mesa comigo,
Abri o livro, como quem partilha uma refeição. Vi que realmente ela conhecia as letras, mas faltava-lhe aquela famosa faísca de luz que abre os olhos de cada um que já descobriu as letras.
Brinquei com ela jogando com as letras de seu nome, espalhadas pelo texto, aqui e ali. Não sei quanto tempo praticamos aquela lúdica terapia, sei que o almoço atrasou, mas, fui testemunha de um momento maravilhoso.
Ela leu pela primeira vez uma palavra, e depois outra, e mais outra, até formar a frase entender o que estava lendo.
__Ah! E meu pai disse que eu nunca ia aprender a ler, por que sou muito burra e era filha de uma cachorra... Eu li, eu li... Queria que ele estivesse aqui para ver isto agora, eu consegui ler!
Contou-me ter sofrido muito com um marido que a agredia. Ele havia roubado e escondido seus filhos, sem que ela nunca mais os tivesse visto ou tido notícias deles. Isto tudo depois de ser criada desde bebê por um pai violento e alcoólatra. Também tinha sido praticamente vendida para um prostíbulo na adolescência...
Pediu-me que um dia escrevesse sua história:
___Minha mãe tinha três filhos. Meu pai trabalhava de pedreiro, o dia inteiro, chegava tarde da noite... Eu tinha uns dois meses, quando minha mãe se apaixonou por outro homem e foi embora levando os meus irmãos maiorzinhos.
Ela me deixou prá trás, num cesto, no chão da cozinha. Meu pai já tinha ido trabalhar. Só voltou muito de noite. Eu devo ter chorado de fome o dia inteiro.
Quando meu pai chegou de noite, teve que me disputar com uma cadela da rua que tinha parido no quintal. Ela deve ter escutado meu choro e, deixando no ninho seus filhotes, forçou a porta e me amamentou, até que meu pai chegasse. Depois, ele teve que espantar a cachorra com um pedaço de pau, prá me pegar de volta.
Se não fosse aquela mãe postiça, que me deu o leite de seus cachorrinhos acho que eu tinha morrido de fome e sede.
Sabe este calor que faz por aqui, a gente seca que nem planta... Imagina um neném, ficar o dia inteiro sem comer nem beber, numa casa baixa, destas de telha de Eternite, e sem forro... Com este verão que frita ovo no asfalto!
Por isso, meu pai dizia que eu era filha de uma cadela, por que uma cadela vira-lata me amou mais que minha mãe de verdade.
Depois, continuou ela, meu pai foi para o garimpo, debrear barranco em busca de ouro que nunca chegava.
Cozinhei no chão, prá garimpeiro bêbado no meio do mato. Quebrei pedra, dormi em rede, peguei umas cinco malárias...
E acabei numa casa de mulher da vida antes de ter peito. Fui de tudo, fiz de tudo, até que fiquei doente. Foi lá que meu marido me achou e me cuidou. Por isso me batia, achava que eu não prestava e ia fazer com ele como minha mãe fez com meu pai. Por isso, ele fez primeiro. Roubou meus filhos e sumiu com outra...
Se eu tivesse ido na escola e soubesse ler, nem ele nem ninguém tinha feito isto comigo. Agora, é como se eu tivesse visto uma frestinha de luz, num quarto escuro. Eu vou querer ir na escola . Quero aprender a ler de verdade. Quero aprender a ler a Bíblia e todo jornal e história que eu puder ler...

Nunca esqueci a dádiva que foi ouvir tal pessoa. Se agora a recordo é para fazer justiça à promessa empenhada e a todo aprendizado que me coube, através dela, nesta escola que é a vida.
Todo educador deveria ter um tratamento de choque deste quilate, para descobrir o significado de potencialidade.
Quanta história triste teria um fim diferente, ou nem seria triste, se um valorizado e motivado educador tivesse deixado sua marca, muito antes, na infância desta mulher... Ou se tivesse se deixado marcar, para sempre, nestas relações de ensinar e aprender...

Um comentário:

  1. Ai as suas histórias...
    Amei esse blog...
    Assim eu posso me deitar com as suas histórias sempre que quiser!

    Bjos Andressa do Circo

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