Era madrugada. Talvez quatro horas da manhã. Acordou agitada, com um trajeto de ruas que não costumava fazer, saltando-lhe aos olhos. Pura imaginação pensou... Ficou preocupada. Sentiu arrepios. Isto era coisa de doido. Precisava voltar a dormir.
Mas alguém chamava seu nome, e lhe falava de jóias. Que jóias, meu Deus! Só tinha uns poucos brincos, anéis e correntes, presentes da avó e madrinha, dos pais, da tia... Coisa pouca sem muito valor. Levantou-se da cama e pegou o porta- jóias...Olhou uma a uma as pequenas e únicas preciosidades que tinha. Eram de ouro, sim, mas nada de ostensivo, uma pedrinha de rubi no anel, perolazinhas pequenas nos brincos... Fechou-o e ia guardá-lo, quando sentiu novamente aquele arrepio percorrendo sua espinha... __Ah! Que meu sono se foi, e estou aqui assustada sem poder dizer isto a alguém. __ Pensou em acordar o irmão mais velho e pedir socorro, estava com medo.
Agora que não estava mais sonolenta, não escutou palavras, mas sentiu claramente o que devia fazer. Achou loucura, mas deixou-se levar por aquela intuição estranha... Levantou-se, vestiu-se, reuniu suas jóias num envelope. Sentiu um impulso de abrir o velho baú onde a mãe guardava com carinho, de lembrança peças do enxoval dos filhos, quando eram bebês... Escolheu um pouco de cada. Fraldas, camisinha de pagão, daquelas que a mãe bordara a mão, à luz de lamparina. Deixou um, pelo qual a mãe tinha especial afeto. Era um casaquinho branco, de cambraia, bordado com um coelhinho aplicado em fustão azul claro, recheado de algodão, que lhe dava um relevo interessante, parecia que ia saltar do tecido a qualquer momento...
Deixando-se ainda levar por aquele sentimento, foi devagarinho à cozinha e reuniu numa sacola, alimentos de que podia dispor. Pão, mel, um pedaço de bolo que fizera, com pêssegos do quintal.
Juntou tudo e abriu a porta de mansinho, para não acordar os irmãos. Teve antes o cuidado de deixar tudo pronto para o café, arrumado sobre a mesa...
Estava escuro, as luzes dos postes acesas, as ruas completamente desertas. Tinha certeza do trajeto, embora nunca tivesse passado por lá. Caminhou uns quinze minutos, sem encontrar ninguém pela rua. Não sabia de onde vinha esta coragem, mas sentia-se muito leve e segura.
No caminho havia uma grande casa, com as luzes acesas e algumas pessoas conversando na garagem. Um nome lhe veio aos lábios, mas era tão comum, que podia ser só um engano ou alucinação, pensou em voltar para trás, mas, perguntou:
__Por favor, a Maria?
__Ela avisou que você vinha, é o último quarto do corredor, à esquerda.
Entrou e foi direto para o tal quarto, sem falar com ninguém pelo caminho. A casa era um albergue noturno, destes que recolhem os andarilhos, para que não durmam no frio das ruas. Entrou no que deveria ser o alojamento feminino, com várias camas de solteiro, lado a lado. Numa cama estava uma moça, com um bebê ao lado. Ela lhe disse:
__Eu tinha certeza que você vinha. Eu pedi muito ao Pai, que, se neste momento tivesse um anjo que ele pudesse me mandar, que ele me mandasse, porque eu não sabia mais o que fazer. E eu tinha tanta certeza que você vinha que deixei avisado prá alguém te esperar lá na frente... É o meu bebê, sabe... A gente não tem nada prá ele. O dono da fazenda botou a gente na rua, com uma mão na frente e outra atrás, sem nada. Me deixam ficar aqui, enquanto meu marido procura emprego. Estou meio fraca, tenho que ficar na cama.
__O seu bebê, o que tem ele? __ perguntou a moça.
__Este aqui, nada, graças a Deus, minha preocupação maior é com esse aqui.
Levantando a coberta mostrou-lhe um ventre grávido e minúsculo para uma gestação que já estava a termo.
__Meu menino, disse ela, já tem mais de um ano... É miudinho, mas é esperto...
Embora ela afirmasse isto, via-se a fome e a desnutrição nos olhos do pequeno que fora desmamado cedo por conta de outra barriga...
A moça não pensou mais em nada. Pediu que ela lavasse o enxoval para o bebê que ia chegar, mostrando-lhe as peças. Entregou-lhe o lanche que trouxera e, sem mais resistências, o envelope com todas as suas jóias.
__Para as despesas do parto...
__Deus lhe abençoe...
Ele a abençoou, com uma experiência inusitada para uma simples mortal que ela era. Lembrara que antes de dormir pedira ao Pai que pudesse ser concretamente um instrumento do seu Amor... Ele a ouvira, juntando as duas filhas que conversavam com Ele naquela mesma noite. Uma se oferecendo e a outra pedindo ajuda...
Na semana seguinte passou na frente do albergue, curiosa que ficou por ter notícias. Foi reconhecida por alguém que estava no portão:
__Não foi você que ajudou a Maria e o Zé com o enxoval do neném? Já nasceu. Foram pra um sítio, que o Zé conseguiu emprego. Ele até chorou quando viu aquilo. Conseguiu vender bem “as jóia” e ajudou bastante eles. Foi você, não foi?
__O senhor está enganado, eu só estava passando por aqui, mas fico contente de saber, que ainda hoje, exista quem consiga fazer isto que o senhor me contou. Bom dia.
__Bom dia, pra você também, moça.
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