A casa era ao lado da Igreja, não tinha cerca, e a varanda ficava exposta. Foi ali que ela depositou o gordo ramalhete de rosas vermelhas, e no envelope, o cartão e um anel solitário de diamante.
No envelope, um nome: "Para Leila".
Findara-se assim um doloroso dilema, de uma longa e interminável semana. Tudo começou quando ela tentou vender o anel em todas as joalherias da cidade. Ninguém queria comprar, e ela precisava pagar o aluguel.
Um LP de vinil e um anel solitário de diamante era tudo o que ficara de um noivado frustrado, mas, que a fizera ver o mundo com outros olhos, um verdadeiro aprendizado. Achava que agora sabia dar valor às coisas que realmente mereciam atenção:__A vida, a família, a solidariedade, a interioridade... Sentia-se mais madura e desapegada das coisas materiais que pudessem escravizá-la de algum modo.
Estranho foi o que ela sentiu quando não conseguiu, de forma alguma, vender seu brilhante. Cansada e decepcionada, ficou olhando para aquele valioso anel que de nada lhe servia. Foi quando teve uma sensação, que não chegou a ser audível, de que alguém que lhe pedia:
__Dá-me.
Olhando ao redor, não viu ninguém. Nem mesmo da janela, alguém se aproximara. Mas ouviu de novo:
__Dá-me.
Desta vez sentiu que a voz vinha de dentro dela mesma, do seu próprio peito, se é que isto é possível.
Durante uma semana ela lutou para não ouvir esta voz. Relutou de todas as formas contra esta sensação de estar dentro de um surto psicótico.
Levou a vida normalmente. No trabalho, em casa, com os amigos...
No ensaio do grupo de teatro, ficou sabendo a história de Leila. Acabava de voltar do hospital. Tinha tentado o suicídio. Vestido de noiva, festa pronta, o noivo sumiu. Leila não queria mais viver, sentia-se rejeitada.
A história desta moça, agora, fazia parte do que ela pensava ser um delírio... Não conseguia esquecer a tal sensação interior, só que desta vez, vinha clara a sensação de que era responsável por fazer algo por esta moça que tanto estava sofrendo. Raciocinou que, um choque emocional importante, tiraria Leila da profunda depressão em que se encontrava.__Mas, o que tinha ela a ver com isto? Foi passear no fim de semana, para ver se arejava as idéias e esquecia tal alucinação obsessiva que a atormentava dia e noite. Não podia mais dormir, tinha que fazer algo para ter paz e retomar seu sossego e as maravilhosas e sonolentas noites.
Tomou uma decisão, mandaria umas flores em nome do grupo de jovens do teatro com votos de solidariedade e pronto restabelecimento... Foi à floricultura. Chegava o caminhão de flores. Rosas enormes e vermelhas perfumavam o ambiente. __Quero uma dúzia destas, com ramos verdes e aquela florzinha branca no meio... Enorme... Ficou lindo... É isto e pronto!
Na escolha do cartão, um arrepio a perpassou por inteiro, dos pés à cabeça. No tripé de exposição, o primeiro cartão, o maior e mais bonito, tinha uma pintura com a face do Mestre, ar magnânimo, olhos transparentes e profundos que calaram todas as suas dúvidas:
__ Dá-me!
Sentiu o eco de aquela palavra reverberar dentro de si mesma, como se estivesse oca e vazia, como os espaços das casas baldias são a morada predileta dos grandes e sonoros ecos.
Tomou o cartão, pagou e pensou no que ia escrever... Nada lhe vinha à mente, um branco total... Pediu luzes ao Mestre, e que lhe desse a Paz perdida que tanto precisava. Num lampejo, uma frase, simples e direta... Era tão óbvia e lúcida, que ela deixou que a caneta deslizasse no papel, sem lhe opor resistência:
"__Leila, você é um diamante muito precioso para mim..."
Colocou o cartão no envelope e foi entregá-lo pessoalmente. A porta da casa estava fechada, a varanda vazia. Colocou no chão o ramalhete, sobre o pequeno tapete, ia bater à porta e sair de mansinho, antes que alguém atendesse. Mas ficou por instantes, petrificada, com uma sensação estranha de estar traindo a si mesma... Não era bem isso que devia fazer... E, lá no fundo, sabia o que tinha de ser feito. Deixou deslizar pelo dedo o anel com o diamante em relevo... Colocou-o no envelope, juntou-o às rosas, bateu suave na porta, escutou passos e saiu de mansinho, dobrando a esquina...
Tinha apenas uma leve dúvida. Se, tivera o desprendimento, de ter dado algo de seu, a Alguém que lhe pedira com tanta insistência, será que Ele se importaria por ela ter tido o atrevimento de, em Seu Nome , assinar o cartão? No final da tal frase assinara: JESUS.
Chegou logo em casa, abriu o portão, entrou. Seu jardim, um emaranhado de fetos e gramíneas, parecia estar mudado. Era como se uma aura luminosa emanasse dele. Então, percebeu que a luz, não estava no jardim, mas dentro dela. Abaixou-se para ver os pequenos brotos que se desenrolavam de maneira prodigiosa. Estava em êxtase com a beleza com que se manifestava o milagre da vida, e por participar incondicionalmente dele.
Na semana seguinte, a família de Leila mudou-se. Ela tivera uma melhora repentina. Resolveram mudar de cidade e de vida. Começar de novo. Estudar, ou algo assim...
Nunca mais se ouviu falar de Leila, mas, passados mais de trinta anos, quando disto se lembrava, ainda tinha a sensação do milagre profundo, da mais perfeita e paradisíaca Paz...
Naquela noite, escreveu antes de dormir:
Um menino passou no meu jardim
Desenrolando os brotos das samambaias.
E eu, mero raio de sol, observo,
Enquanto as aranhas
Tecem maravilhosas teias,
Adornadas dos mais ricos diamantes.
Gotas de orvalho reluzentes...
Gavinhas agarradas à vida,
Seiva escorrendo poesia...
Nenhum comentário:
Postar um comentário